domingo, 25 de abril de 2010

Manuel D’Assumpção (in: http://ruidiasnovastec.blogspot.com)


Manuel D’Assumpção - Dimensão místico-existencial, no espaço fantástico do Surrealismo, e no “Espaço Ambíguo” do Abstraccionismo


O Homem chega à Lua na madrugada do dia 21 de Julho de 1969. Nesse dia, num prédio da rua da Assunção uma banal travessa da baixa lisboeta, suicidou-se Manuel Trindade de Assumpção de 43 anos de idade. Nessa manhã foi tomada a grande decisão. O cenário foi o quarto estreito onde habitava, a arma foi uma corda que estava a um canto da casa. Não precisou muito tempo para que estivesse consumado.
Com as persianas fechadas por causa de um muro pintado de um amarelo horrível, que segundo ele “se queria meter dentro da minha tela”, partiu discretamente, sem se dar ao trabalho de escrever umas linhas, sem deixar testamento ou quaisquer outras declarações para a posteridade.
Porém, morreu o homem, mas permaneceu a obra de um artista que se dera romanticamente à arte. A sua obra reflecte coerência interna, eminentes qualidades de desenhador e de pintor. Sobre a sua obra disseram alguns contemporâneos:
José Augusto França – “D’Assumpção… aprendeu a lição parisiense com uma coragem, uma largueza e um talento notáveis.”
Mário de Oliveira – “Um dos artistas modernos portugueses de mais forte personalidade a quem, em vida, poucos fizeram a justiça que ele merecia.”
Rocha de Sousa – “Afinal vencido, absurdamente vencido, D’Assumpção renasce para nós como um grande pintor, um dos grandes pintores portugueses contemporâneos.”
Quem foi este homem, este artista, que embora elevado à condição de mito a seguir à sua morte, parece estar esquecido pelos historiadores e críticos de arte? Que homem era este que não se conformava com a interferência do amarelo do muro nas sua tela, tal como não se conformava com as grandes cidades industriais, onde se exilou durante algum tempo, e onde sofreu a dor da saudade longínqua?
Tendo por objectivo analisar a obra de um artista do século XX, tomamos a decisão de fazer investigação sobre Manuel D’Assumpção, de modo a podermos responder a estas perguntas. A decisão de efectuar um trabalho sobre este artista, tem que ver com a constatação de que este pintor e a sua obra merecem ser mais conhecidos.
Assim, quase quarenta anos depois da sua morte, procurámos fazer a análise possível sobre o trabalho produzido ao longo de trinta anos. Pensamos ser altura de rever a sua obra, pois é sem dúvida uma figura notável da pintura contemporânea portuguesa, principalmente do abstraccionismo, como foi reconhecido em Paris e em Oldenburgo, não obstante a falta de entusiasmo da crítica portuguesa da época.

D’ASSUMPÇÃO – RAÍZES, INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA E PERSONALIDADE

Manuel Trindade D'Assumpção nasceu às duas horas do dia 24 de Abril de 1926 na Travessa de Paulo Martins, freguesia da Ajuda numa família oriunda de Trás-os-Montes. Seu pai Luís D’Assumpção nascido em 1899 aguarelista de mérito, era possuidor do Curso Superior de Belas Artes, tendo sido discípulo de Roque Gameiro.

Entre 1927 e 1929, por ter conhecimento que em Portalegre não havia nenhum fotógrafo profissional de arte, vem de Lisboa para esta cidade, onde instala o seu atelier de fotógrafo, assumindo o nome comercial de Rosiel, e onde permanece até à morte em 1969 aos 80 anos. (Há fontes que dizem que Manuel D’Assumpção foi para Portalegre quando tinha oito anos, em 1934 com o pai a irmã e a madrasta).

Luís, Em 1950, realiza uma exposição amplamente apreciada, aquando dos festejos do IV centenário da elevação de Portalegre a cidade, mostrando uma vintena de aguarelas, três retratos e alguns motivos de Portalegre, Beira Alta, Lisboa e Cabeço de Vide. Dedica esta exposição ao seu amigo Luís Alves de Sousa Gomes.

Deste modo, foi com o pai – também o seu primeiro mestre – que Manuel Trindade D’Assumpção iniciou a sua aprendizagem artística de pintura e fotografia, durante a sua adolescência. Cerca de 1940, quando tinha 14 anos, continuou os seus estudos com o pintor Manuel Barrias, um pintor expressionista de algum talento.

A julgar pelo que escreveu o João Pinto de Figueiredo , parece que D’Assumpção não teve uma infância muito feliz. Disse ele:

“D’Assumpção teve uma infância desgraçada. O seu horror do mundo, a sua revolta perante a vida, a sua desencantada e terrível lucidez – o «ver demais» de Van Gogh a que se refere numa carta – derivam daí, também a sua precoce propensão para a vida interior em que bem cedo se refugiaria duma realidade abjecta, detestada.”

“Temos, pois, uma criança infeliz e oprimida que imagina para escapar à realidade, que dialoga consigo para esquecer os outros, uma criança que obsessivamente se observa e se interroga…/… é, no fim das contas, ânsia imoderada de elevação, desejo obstinado de transcendência”.

É assim, que na opinião de Carlos Garcia de Castro , começa a sua “inquietação iniciática” com que D’Assumpção se quisera perscrutar na sua filosofia estética da Pintura. Como disse ele: “Dera-se romanticamente, como quem procede em demanda, como quem se regenera no Absoluto.

Viveu discretamente durante praticamente metade da sua vida na sua cidade adoptiva, onde era tolerado por ser estranho e misterioso deambulando pelas suas ruas à sombra dos plátanos, e pelas suas praças e cafés. Contudo, quando tem que escolher uma profissão e envereda pela pintura, não se contenta com a condenação a que parecia estar votado, de pintar insignificâncias ou estar preso a um enfadonho artesanato pictural. Embora ensinado a respeitar as regras e imitar os mestres, cedo descobriu que manejar bem os pincéis, era uma tarefa aparentemente vã, e que para se sagrar artista, era necessário viver plenamente uma outra vida, e fazer muito mais do que exprimir-se através da pintura.

Mais tarde, falando acerca da personalidade manifestada por ele, quando já em Paris, foi dito que era uma “figura enigmática” com um “insólito aspecto de burocrata”. Expressão “inquietante no olhar, estranho” de uma “velada e profunda tristeza e com ar de profeta iluminado”. Para não nos perdermos em citações, resumimos algumas características que lhe foram atribuídas: Cerimonioso, reservado e ao mesmo tempo contestatário, alternando entre o pessimismo e o fervor, entre a melancolia inócua e o furor viril. Era uma alma profundamente ulcerada, oscilando constantemente, entre a indiferença generalizada e a indignação, corroído pela revolta e por um narcisismo magoado. A sua frequente expressão: “A vida não me merece”; indica não só o seu narcisismo mas também a angústia insuportável que o invadia.

Brevemente, falaremos do enquadramento histórico e estético.

1-Disse Rui Mário Gonçalves a seguir à sua morte: “Com a sua morte, Portugal perde um dos pintores tecnicamente melhor preparado e cuja ambição criadora era altamente admirável.”

2- Catálogo da exposição na Galeria Ottolini em 1974

3- Mário Cesariny de Vasconcelos disse a respeito da vida e atitude deste artista a seguir à sua morte: “Quem quer sacrificar-se até ao impossível, jogar o corpo, alma e bens no improvável, no que ainda não conhece as majestáticas sanções da História? Realmente muito poucos, ou realmente nenhuns: só os próprios artistas, quando são da qualidade de um D’Assumpção.”

4- Catálogo da exposição da Galeria do Palácio Povoas em Portalegre, de 23 de Maio a 18 de Junho de 2000, promovida pela Câmara Municipal de Portalegre

Um comentário:

  1. Grande pintor, personagem complexa, incompreendida na sua terra, mas com alguns bons amigos em Portalegre...
    Sabia a história do suicídio dele, quando os homens chegam à lua e, como diz um poema: "mas a minha mão não chega à tua"!

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